A série The Last of Us estreou no último domingo (15) no HBO Max, trazendo uma narrativa bastante similar ao jogo em que ela é baseada: em um futuro não muito distante – coisa de duas décadas para frente – a humanidade “foi de base”, como diz o meme. Poucos de nós sobrevivemos e, para os que ficaram, sobraram militares tentando impor ditaduras, rebeldes, traficantes e mercenários…e uma doença que nos matou gradualmente e rapidamente.
Tudo isso graças a um fungo chamado Cordyceps, que, de acordo com o cânone da série e do jogo, sofreu mutações que lhes permitem tomar o controle do corpo humano, alterando-o de forma que nós fiquemos rendidos à sua vontade e, efetivamente, ele nos transforme em feras incontroláveis que só buscam a próxima comida – e por “comida” entenda “qualquer ser vivo no caminho”.
A grande questão é que, após a pandemia da COVID-19, qualquer assunto relacionado a doenças tende a nos deixar meio cautelosos. Mesmo com o fato de que a pandemia de 2020 é de natureza viral e The Last of Us é mais voltado à infecção fungal, o resultado é o mesmo, ou seja, nada bom para nós. Ao menos, a situação da série é totalmente fictícia…né?
Sim, o fungo de The Last of Us é real
É, então…mais ou menos: ao contrário do que se possa pensar, o cordyceps é possivelmente o elemento mais realista da série, simplesmente porque…ele existe de fato. Olha ele aí…
Com o perdão do “cientifiquês”, o cordyceps é um fungo de classificação “parasitóide”, ou seja, ele tem esporos transmitidos pelo ar que permitem a ele se alojar e se reproduzir dentro de corpos hospedeiros – normalmente, insetos e outros seres de pequeníssimo porte.
Na prática, ele rouba o controle nervoso de sua vítima (não o cérebro em si, mas sim da capacidade de controlar funções motoras), forçando-a a tomar atitudes que, normalmente, não tomaria: uma formiga infectada, por exemplo, pode ser obrigada a subir em uma folha, prender-se e…ficar ali, por mais ou menos duas semanas agonizantes, até que o fungo a devore por dentro completamente, se reproduza, lance novos esporos, infecte novos insetos…você já está vendo aonde isso vai dar.
As similaridades com a série não param por aí, mas já vamos retomá-las: o importante a dizer é que não, os cordyceps não podem infectar humanos. Segundo o Dr. Ilan Schwartz, da Escola de Medicina da Universidade de Duke, nos EUA, nós somos complexos demais para termos nossos sistemas centrais dominados por um organismo externo – de acordo com entrevista dele próprio ao Vulture, pelo menos.
Aqui é onde entra a criatividade dos roteiristas por trás de The Last of Us – tanto no jogo, como na série: essencialmente, o cânone da marca estabelece que o cordyceps sofreu uma mutação que os permitiu não apenas sobreviver à nossa temperatura interna (fatal para várias espécies de fungos), como também desenvolver métodos de tomada de controle que lhes façam sobrepor a nossa vontade e racionalidade.
Em suma, a série e o jogo fizeram com que humanos infectados deixassem de pensar, e qualquer nível de consciência é subjugado pelo desejo – do fungo – de comer. O que vem a partir daí é o que vemos no material: os clickers, inimigos infectados, perseguem qualquer ser vivo que encontram em busca de sustento.
Há, no entanto, algumas diferenças entre a série e o jogo em si: no PlayStation, o cordyceps pode ser transmitido pelo ar, então é comum em algumas partes que você progrida com os personagens usando máscaras de gás, a fim de isolar qualquer possibilidade de aspirar esporos por acidente.
Na série, a transmissão aérea foi abandonada em favor de infecções com base na mordida – não muito diferente da raiva canina, por exemplo. Os clickers possuem tentáculos que “estouram” do que um dia já foi uma boca e, na mordida, eles se fixam à vítima, inoculando-a e transformando mais um humano em hospedeiro.
Neil Druckmann e Craig Mazin, que escreveram o roteiro da série, tentaram baseá-lo ao máximo na realidade, dando a entender que foi o aquecimento global que assola a Terra – outro elemento bastante real, conforme a ciência já comprovou – que forçou o fungo a passar por uma adaptação, e essa adaptação é que lhe permitiu atacar os humanos.
Em resumo: muito do que se vê na série e no jogo tem inspirações reais e evidentemente comprovadas, mas a situação que eles retratam é ficcional – ainda bem. Agora, as coisas vão ficar assim? Biologicamente falando, adaptações evolucionárias levam muito, muito tempo para acontecer, e vêm de forma gradual. Então sim, é pouco provável que tenhamos alguma mudança que transforme algo inofensivo na próxima calamidade global da humanidade.
Entretanto, o aquecimento global vem trabalhando em mudanças nos corpos de animais da forma mais variada: algumas corujas da Europa estão alterando a pigmentação de suas penas para se adaptar melhor ao derretimento acelerado das áreas congeladas do Velho Continente, e o salmão vem aumentando seu volume de migrações entre água doce e água salgada.
Tudo isso pode trazer impactos decisivos em várias espécies: um paradoxo que cientistas adoram citar envolve a morte de mosquitos, que por sua vez leva à extinção de sapos, o que reduz a presença dos seus predadores, e assim por diante, até chegar em nós.
Em suma: um fungo vai nos matar? Pouco provável (tem várias espécies que já nos fazem um belo estrago, mas não em escala global), mas a premissa que levou à evolução do cordyceps na série é bem real – e bem assustadora.
The Last of Us está disponível para o PlayStation 4 e PlayStation 5 junto de sua sequência direta, enquanto a série homônima contará com nove episódios exibidos semanalmente a todo domingo, às 23h, exclusivamente pelo HBO Max.
Créditos: TecMasters