Durante muito tempo, carros elétricos eram “coisas da gringa”, cujas aparições eram raridade aqui no Brasil. Mas nos últimos anos, a situação mudou: esses automóveis não só estão mais populares, como parecem finalmente — e minimamente — competir com os veículos a combustão pelas bandas brasileiras.
Não se trata de “achismo”, mas sim, de números: de acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a frota de veículos elétricos aumentou mais de 503% nos últimos quatro anos, partindo de 24,6 mil para 175,4 mil automóveis.
Considerando um recorte menos amplo, o mês de agosto desse ano bateu o recorde mensal de veículos leves eletrificados no Brasil. Como apontam os dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), foram 9.351 emplacamentos — 120% a mais que os números de agosto do ano passado.
O curioso é que os carros a combustão — que correspondem a mais de 90% das vendas de veículos — não têm acompanhado esse crescimento. E além da debandada de montadoras que estavam no Brasil, o setor como um todo viu uma queda anual de vendas de 3,5% no mês passado.
Como explicar esse “boom” dos carros elétricos no Brasil? O que falta para o setor crescer ainda mais por aqui? Há potencial para o país se tornar grande neste segmento?
Bem, todos esses questionamentos também instigaram o TecMasters, que bateu um papo com Alexandre Baldy, conselheiro especial da BYD, em busca de respostas mais concretas.
Conscientização ambiental e preços mais competitivos
Naturalmente que, em um mundo globalizado, tendências tecnológicas tendem a ser replicadas em outras regiões. Mas tratando-se de carros elétricos, um dos principais destaques referem-se aos benefícios ecológicos, oriundo de baterias recicláveis e menos emissão de gases na atmosfera.
E para Baldy, essa conscientização ambiental tem, sim, sido adotada pelos brasileiros.
“A conscientização ambiental tem desempenhado um papel fundamental, já que a cada dia mais pessoas reconhecem a importância da redução das emissões poluentes e a necessidade de adotar soluções sustentáveis de mobilidade”, disse o executivo.
Mas claro, isso por si só não é suficiente para justificar esse “boom” de carros elétricos no Brasil. Como o próprio executivo da BYD menciona, há também os avanços tecnológicos, que permitem novos recursos para atrair ainda mais a atenção dos(as) motoristas.
No passado, as prioridades na hora de adquirir um veículo eram outras. Já hoje, os indivíduos buscam carros com sistemas inteligentes, conexões sem fio, câmeras e assistentes de direção. E se o automóvel poluir menos o meio ambiente? Melhor ainda.
Há também um outro fator: o preço dos carros a combustão. Quem vive no Brasil sabe como, de uns anos para cá, comprar um carro zero quilômetro se tornou algo mais caro que em tempos passados — devido a alta do dólar, impostos, inflação global e uma série de outros motivos.
Como consequência, os preços dos carros elétricos — que sempre foram mais caros — ficaram mais próximos dos movidos a combustão, o que aumentou a competitividade.
“Quando os preços dos veículos a combustão aumentam, os veículos eletrificados passam a ser uma opção atraente para muitos consumidores, especialmente considerando os benefícios de economia a longo prazo e a preocupação com o meio ambiente”, completou o executivo.
Cenário é bom, mas desafios são grandes
A alta dos carros elétricos no Brasil nos últimos anos não significa, no entanto, que não existam desafios pela frente. Aliás, muito pelo contrário: ainda existem muitos obstáculos que travam uma ascensão mais fervorosa do setor em território nacional.
“É preciso expandir ainda mais a infraestrutura de recarregamento, oferecer opções de veículos com preços mais acessíveis e promover a educação e a conscientização sobre os benefícios dos veículos elétricos”, pontuou Baldy.
Por mais que o país tenha alcançado a marca de 3.254 pontos de recarga públicos para EVs em maio — um número razoável comparado a outros países mais desenvolvidos —, a distribuição desigual se torna uma grande dor de cabeça para os motoristas.
Isso porque a maior parte desses eletropostos estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste do país, o que de certa forma limita o uso de carros elétricos em outras regiões.
E mesmo que um indivíduo encontre um ponto, não terá sua recarga garantida. Tanto que são diversos os relatos de eletropostos quebrados ou em manutenção. Além disso, o tempo gasto para cada veículo rende filas e mais filas na hora de fazer uma simples recarga.
Outro grande ponto é que, apesar dos preços dos carros elétricos estarem mais próximos dos movidos a combustão, ainda existe uma necessidade de baixar ainda mais o custo para que esses veículos se tornem mais atrativos e fomentem uma adesão mais massiva pelo povo brasileiro.
O problema é que a maioria desses automóveis disponíveis por aqui são importados, o que eleva o preço final nas concessionárias. Logo, se as fabricantes querem mais carros elétricos circulando no Brasil, devem focar na produção nacional para reduzir custos para os consumidores.
“A produção nacional de carros elétricos é um passo importante para baratear custos e fomentar ainda mais o setor. Isso não apenas tornaria os veículos elétricos mais acessíveis, mas também estimularia o desenvolvimento da cadeia de suprimentos local, criando empregos e fortalecendo a economia brasileira. Estamos ansiosos para colaborar com esses esforços e contribuir para o crescimento sustentável da mobilidade elétrica no Brasil. A BYD vai investir R$ 3 bilhões para colocar em operação três fábricas em Camaçari, na Bahia. Uma delas vai ter capacidade inicial de produzir até 150 mil veículos por ano e pode abastecer não apenas o mercado interno como dos países vizinhos”, destacou o conselheiro especial da BYD.
Ainda segundo o executivo, medidas governamentais que estimulem a compra de veículos não poluentes (como bonificação do IPVA) também seriam importantes para o desenvolvimento dos carros elétricos no território nacional.
Bons horizontes para os carros elétricos no Brasil
Desafios à parte, os ventos parecem soprar positivamente para fomentar ainda mais os carros elétricos por aqui. Naturalmente que isso dependerá de um esforço conjunto de montadoras, governo e consumidores, mas já existem boas perspectivas pela frente.
Em junho deste ano, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ressaltou em um evento da Anfavea o foco do Governo Federal em prol do desenvolvimento de uma indústria voltada à produção de carros elétricos e disse que os EVs são prioridade para a transição energética.
Aliás, o ministro mencionou esforços para que o Brasil seja um polo na produção de baterias de lítio — essencial para a eletrificação das frotas. Como consequência, isso reduziria custos de produção e, de quebra, fortaleceria indústrias localizadas em solo brasileiro.
Fora isso, a ABVE prevê que o Brasil, que já emplacou 49.052 eletrificados leves em 2023, deve superar a marca de 70 mil carros elétricos até o fim do ano. E se isso realmente acontecer, o país pode ter mais de 200 mil EVs em circulação pelas ruas, estradas e rodovias.
Um market share tímido comparado aos 108 milhões de unidades da frota nacional, é verdade. Mas que sugere um novo patamar para o setor por aqui.
Créditos: TecMasters