Exemplares de araucária, árvore nativa de mata atlântica ameaçada por extinção, foram suprimidos no condomínio Reserva Magnólias, localizado no município de Cotia, a sudoeste da Região Metropolitana de São Paulo. Em reviravolta processual, a compensação ambiental, que seria realizada pelo plantio de cerca de 800 mudas nativas, foi renegociada para a doação de três impressoras para a Secretaria do Meio Ambiente e Agropecuária (SMAA), no valor total de R$ 6.343,99.
A manobra estaria amparada pelo Decreto Municipal número 8.119/2016, que permite o “recebimento de equipamentos à gestão ambiental do município”, porém, de acordo com o advogado Gonçalo Junior, especialista em direito imobiliário e membro da comissão do meio ambiente da OAB de Embu das Artes, o poder executivo do município de Cotia não poderia regulamentar por decreto a compensação ambiental, por exceder sua competência Constitucional que é de caráter suplementar, neste tema, e contrariar também a Constituição do Estado de São Paulo, o Decreto Federal nº 4.340/2002 e as Leis Federais nº. 12.651/2012 e nº 9.985/2000.
Gonçalo diz ainda que “o Decreto 8.119 de Cotia, contraria o tratamento cauteloso assegurado pela Constituição Federal, ignorando os princípios ambientais e invertendo valores e disposições existentes, enquanto há uma vedação expressa para a aquisição de bens e equipamentos permanentes (art. 33, parágrafo único, II, Decreto 4.340/2002). Com o resultado da compensação, o município de Cotia aceita impressoras e autoriza, no lugar da Cetesb, a supressão das araucárias, ignorando a Resolução SMA nº. 84”.
Posição da prefeitura
Em resposta ao questionamento para a reportagem da Sociedade Ecológica Amigos de Embu – SEAE, a prefeitura informou que, para este caso, “a compensação pode ter se realizado por meio da doação de equipamento, no caso as impressoras, para uso da Secretaria de Meio Ambiente, de forma a melhorar a qualidade dos serviços prestados pela Secretaria, como a emissão de multas por infração ambiental” e que “tal medida pode ter ocorrido devido ao volume de mudas e a capacidade do viveiro municipal na data do recebimento”.
A troca das 800 mudas nativas de compensação por impressoras ocorreu após o condomínio alegar falta de espaço para o plantio e sugerir doação das mudas para o viveiro municipal, que fez a mesma alegação. No entanto, a SMAA pontua no processo que havia espaço no mesmo local de supressão das árvores.
Na autorização emitida pela secretaria, a qual esta reportagem teve acesso, consta a informação de que a supressão foi concedida para as 17 unidades nativas “desde que as mesmas não façam parte do grupo de espécies raras ou em extinção e ou de algum maciço florestal”. A observação deveria excluir as araucárias da autorização de corte ou ao menos seguir com a compensação adequada.
De acordo com a Instrução Normativa Federal (IN) de nº 02/2015, o Ministério do Meio Ambiente determina que, por se tratar de espécie ameaçada por extinção, o órgão licenciador deve garantir junto ao empreendedor “medidas de mitigação e compensação que assegurem a conservação das espécies, nos termos do art. 27 da Lei Federal nº 12.65.
Condomínio tenta derrubar araucárias desde 2011
Em ofício para o Ministério Público, após receber denúncias, a SEAE, que atua há mais de 40 anos na região, informou que, segundo processo datado de 2011, ainda em projeto para a implantação do condomínio, as araucárias já eram alvo de supressão. Na ocasião, a promotoria de Cotia determinou “a modificação do projeto original, de forma a poupar as árvores; e redução do número de casas a serem edificadas, de forma a poupar nascente e araucárias existentes”.
O Decreto Municipal nº 8.119 foi criado em 2016, mesmo ano em que o condomínio Reserva Magnólias entrou com novo pedido de autorização de corte para a prefeitura, com alegação de perigo iminente de queda e risco para os moradores e funcionários. Porém, o laudo para a análise da saúde das plantas (fitossanitário), do mesmo período, atestou que os exemplares estavam saudáveis e assim continuaram por dois anos, até o início de 2018, quando foram suprimidos.
O corte das árvores resultou em nova Representação Civil no Ministério Público, para averiguar os fatos, e no boletim de ocorrência na polícia civil nº 003/2018, onde foi reforçada a informação de que as árvores estavam saudáveis, por isso não poderia ser “crível a hipótese de iminente risco”.
Rodolfo Almeida, presidente da SEAE, comenta que “este Decreto de Cotia pode beneficiar outras áreas que não foram objeto de denúncia, descaracterizando o dever do município de proteger o meio ambiente de seu território, em prol do desenvolvimento urbano que trará consequências indesejadas no futuro. A natureza cobra o seu preço e a sociedade nem sabe pelo que está pagando, tendo em vista que o tema foi objeto de um decreto e não de uma Lei”.
A prefeitura de Cota, por meio de sua assessoria de comunicação, informou que atualmente a “supressão de árvores nativas é autorizada mediante a análise técnica com a devida compensação regrada pela Lei nº 1989, de 25 de Outubro de 2017”.